2012-12-05

Resumo de Língua Portuguesa na Educação 1



Segue, abaixo, um resumo muito legal, para quem cursa Pedagogia, está no terceiro período e faz a Disciplina de Língua Portuguesa na Educação 1. Encontrei no blog da Geisa S., que está no quarto período de Pedagogia, em Macaé (https://sites.google.com/site/adseapsde/resumo-aulas-de-lp1). Vale a pena ler e deixar seu comentário. Espero que ajude a todos!

 

RESUMO  para a AP2 de Língua Portuguesa na Educação 1

 

Para Geraldi o ensino tradicional da língua portuguesa investiu, erroneamente, no conhecimento da descrição da língua, suponho que a partir deste conhecimento cada um de nós melhoraria seu desempenho no uso da língua. Na verdade, a escola agiu mais ou menos como se fosse necessária saber como a força da água se transforma em energia em claridade na lâmpada que acendemos.... (1995, p.71).
 

Assim, para que o alunos sejam usuários proficientes da língua é necessário que  escola oportunize o contato com usos diversos das manifestações dessa linguagem, de forma que esse sujeito adquira a possibilidade de gerar sentidos para aquilo que ele é capaz de ler e ouvir, bem como de produzir, seja na expressão oral, seja na escrita. Logo, as nomenclaturas e conceitos dos elementos que a gramática tradicional considera são informações que não estão diretamente relacionadas com a proficiência no uso da língua materna. Desta forma, o aluno para ser proficiente  não precisa necessariamente saber todos os conceitos gramaticais e nomenclaturas. Pois a língua materna  é a adequação da língua oral e escrita ao contexto do aluno.  A gramática não garante a proficiência do uso da língua, o conceito não garante o falar bem.
 

O contato com a norma-padrão é necessário, pois, do contrário, corremos o risco de excluir aqueles que já são excluídos por fatores como a classe social e o poder aquisitivo. Se o uso da norma-padrão garante ascendência de uns sobre outros, vamos, sim, “informar” nossos  alunos a seu respeito, mas com a lúcida consciência de que o trabalho com a língua não é, de forma nenhuma, apenas isso. Tampouco o domínio da norma-padrão precisa passar, nesse primeiro segmento de escolaridade, pela memorização de uma série de nomenclaturas, quando sabemos que o trabalho com textos variados, a leitura de diferentes gêneros literários, o contato e a interlocução com falantes que dominem tal variedade, serão práticas bem mais eficientes neste sentido.

 

A escola continua a trabalhar com a língua portuguesa “cobrando” de nossos alunos das séries iniciais a memorização de nomes e conceitos. Na verdade, essa abordagem nada teria de tão cruel se fosse feita com o objetivo de se construir uma mentalidade crítica em relação ao ensino desta “norma-padrão”. Sabemos que o conhecimento dessa norma pode ser um fator favorável ao exercício de um poder do qual já falamos aqui. Também sabemos que a cidadania e a inserção do indivíduo na sociedade estão intimamente relacionadas a um tipo de aceitação que inclui uma série de “saberes”, inclusive o da língua.

 

Para Marcos Bagno (2001),  (...) a norma-padrão é uma tentativa de conservação de formas linguísticas ultrapassadas, que não são nem melhores, nem mais bonitas, nem mais lógicas que as formas presentes nas variedades reais, mas apenas consagradas pelo uso de segmentos privilegiados da sociedade (p. 60).

 

Para ele, é a desigualdade de condições que podemos instaurar ao privar nossos alunos de tomar conhecimento dessa bendita norma-padrão. Como ele, achamos que o contato com ela serve para que “os alunos oriundos das camadas sociais desfavorecidas (...) possam ter como lutar com as mesmas armas dos alunos provindos das camadas privilegiadas” (2001, p. 60).

 

É claro, como já sinalizamos, que essa luta não pressupõe apenas a decoreba de nomes e conceitos, mas a possibilidade de pensar criticamente sobre essa abordagem, de modo a favorecer o uso da língua em suas mais diversas manifestações. Entretanto, continuamos a “ensinar” aos nossos meninos de primeira série o que é um substantivo e como se conjugam os verbos no Presente, Passado e Futuro de forma mecânica, dissociada de contextos, principalmente do contexto do aluno. Afinal, os livros didáticos, em sua maioria, trabalham dessa forma, e a escola adota o livro, e nós temos de acatar a escolha da escola, e é tão complicado dizer que não está bom.

 

Para Magda Soares, um ensino da língua materna comprometido com a luta contra as desigualdades sociais e econômicas reconhece, no quadro dessas relações entre a escola e a sociedade, o direito que têm as camadas populares de apropriar-se do dialeto de prestígio, e fixa-se como objetivo levar os alunos pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adaptem às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdades sociais. Um ensino de língua materna que pretenda caminhar na direção desse objetivo tem de partir da compreensão das condições sociais e econômicas que explicam o prestígio atribuído a uma variedade lingüística em detrimento de outras, tem de levar o aluno a perceber o lugar que ocupa o seu dialeto na estrutura de relações sociais, econômicas e linguísticas, e a compreender as razões por que esse dialeto é socialmente estigmatizado; tem de apresentar as razões para levar o aluno a aprender um dialeto que não é o do seu grupo social e propor-lhe um bidialetismo não para sua adaptação, mas para a transformação de suas condições de marginalidade (1993, p. 78).

 

Para Magda Soares, não se trata de banir a norma-padrão de nossa prática docente, mas de remodelá-la, de forma que ela tenha, de fato, uma função na vida dos nossos alunos.

 

Desta forma não é difícil deduzir qual a função que o conhecimento das normas que a gramática tradicional criou para a língua pode desempenhar na vida de um cidadão, principalmente se for um cidadão com fortes indicações para todo tipo de exclusão. Esse conhecimento não deve ser encarado como a forma correta de se aprender a língua, mesmo porque, como já dissemos, a língua não se aprende, se apreende no uso, e esses conhecimentos não atuam diretamente na melhoria desse uso. Portanto, não é nem um pouco absurdo considerar que conhecer a fundo a norma-padrão é parte do caminho que leva ao questionamento da exclusão através do uso da língua, pois só conhecendo se pode questionar, e o questionamento é a maneira pela qual o privilégio de uma determinada forma de expressão pode ser colocado em xeque.

  

O uso proficiente da língua e a geração de sentidos que ele possibilita não precisam – e, em alguns casos, nem devem – se pautar na nomenclatura e nos conceitos que a gramática preceitua. Assim, podemos trabalhar com as possibilidades de geração de sentidos que a organização dos enunciados permite. Para o aluno, é importante perceber que a mudança de uma palavra dependente acarreta alteração de sentido – e, consequentemente, nova produção – do que se diz ou se escreve.

 

A conceituação das classes de palavras torna-se bastante frágil diante dos fatos dinâmicos da língua. Por isso, mais relevante que esses conceitos é a funcionalidade de cada classe de palavras. Quando falamos em funcionalidade, estamos falando na aquisição dos mecanismos de instrumentalização dessas palavras, de modo que seu uso, tanto oral quanto escrito, se torne proficiente. De nada serve a nossos alunos reconhecer o nome de cada palavra, se ele não percebe de que maneira ela funciona na língua, ou seja, se não conseguimos refletir sobre o uso que delas fazemos. Nesse sentido, o exercício da leitura e da escrita – necessariamente nesta ordem – torna-se pilar de sustentação dessa metodologia. Imaginemos uma aula em que nosso objetivo seja apresentar ao aluno a organização das palavras na língua.

 

O dinamismo da língua não está somente em empregos não previstos pela norma padrão, mas também na criação de significados implícitos naquilo que cada um cria, pois cada vivência é única e preciosa para que possamos aprender uns com os outros, cada vez mais. Os alunos precisam, mais do que aprender regras, ser estimulados a criar. Como o menino maluquinho, que “quanto mais deixavam ele criar, mais o menino inventava...”.

 

Por isso, a constatação de que as palavras não pertencem, rigorosamente, a uma determinada classe gramatical nos ajuda a compreender melhor por que não é útil para o aluno memorizar nomes e conceitos. Se quando estamos compondo textos completos – orais ou escritos – podemos criar novas formas de utilização das palavras, e se a classe das palavras varia de acordo com essas formas de utilização, então é preciso que se saiba utilizá-las de várias maneiras, e, principalmente, entendê-las em seus múltiplos empregos. Essa funcionalidade faz parte das estratégias de aquisição das estruturas linguísticas que buscamos utilizar com nossos alunos, sem que precisemos bombardeá-los com nomenclaturas que não colaborarão para que eles usem melhor a língua.

 

O que queremos deixar claro é que o desvio pode não ser, simplesmente, a assimilação de uma forma da oralidade que se vai legitimando pelo uso, mas constituir uma opção de uso na fala ou na escrita visando a um objetivo específico, a uma forma de expressar diferente. Portanto,   um uso que se desvie da norma padrão representa um fato linguístico altamente relevante, pois traduz a necessidade que o falante tem de gerar novos sentidos para novos enunciados. Essa necessidade não é, nem tem de ser exclusividade de escritores e poetas. Nossos alunos, como usuários da língua, podem querer jogar com as palavras e seus sentidos, e cabe a nós instrumentalizá-los para que se vejam aptos a lidar com a língua de maneira menos normativa e mais gerativa.

 

As pistas para esse caminho estão lançadas: leitura, antes de qualquer coisa; escrita, sempre. Pois, percepção da organização das palavras e das relações de dependência entre elas deve ser resultado do contato com a língua, via textos. As frases soltas, descontextualizadas, em que as palavras aparecem sempre aprisionadas nas mesmas classes e sem nenhum desvio – até porque, fora de contexto, o desvio perde o sentido – não contribui para que o aluno se torne proficiente no exercício de usar as palavras a seu favor. Ao dizer isso, não queremos, de maneira alguma, que o uso da língua seja instrumento de poder, mas de um poder especial, que é o de poder compreender e o de ser compreendido – dominar a língua, em vez de sentir-se dominado por ela.

 

"Escrever uma redação" não é o mesmo que "produzir um texto", pois essas duas ações correspondem a momentos político-pedagógicos diferentes. A esse respeito, veja o que diz Geraldi:

 

O primeiro deslocamento a fazer, de um lado, é o da função-aluno que escreve uma redação para uma função-professor que a avalia e, de outro lado, o próprio ato de produção escolar de textos (...). Na redação, não há um sujeito que diz, mas um aluno que devolve ao professor a palavra que lhe foi dita pela escola (...). O caráter artificial desta situação dominará todo o processo de produção da redação, sendo fator determinante de todo o seu resultado final. Para mantermos uma coerência entre uma concepção de linguagem como interação e uma concepção de educação, esta nos conduz a uma mudança de atitude – enquanto professores – ante o aluno (GERALDI, p. 127-128).

 

Como você pode perceber, Geraldi, de certa forma, apresenta a distinção entre "redação" e "produção de texto". No primeiro caso, o texto é escolar; é escrito para ser avaliado e é concebido dentro de determinadas regras ditadas pela escola. Nesta situação estão, inclusive, os textos acartilhados. Já no caso da produção de texto, a escrita se faz com a interlocução entre um autor e um leitor; entre parceiros da linguagem escrita, que dialogam sobre o escrito, que constroem sentidos por meio da linguagem. São textos mais críticos, mais criativos, embora, por vezes, fujam da norma padrão, exatamente por isso – por não se prenderem a muitas regras, como você viu nas aulas anteriores. Ou seja, quando as crianças fazem redações – prática caricaturesca que só acontece na escola –, sabem que estão escrevendo, fundamentalmente, para serem corrigidas pelos seus professores, formalmente avaliadas, e não para serem lidas em suas idéias e valorizadas em sua criação. Pensar na perspectiva da produção de texto implica, necessariamente, devolver à escrita o seu lugar de objeto social, posto que para grande parte das crianças a escrita ainda tem se revelado como objeto escolarizado, didatizado.

 

Os autores referenciados, todos estudiosos da linguagem e do ensino da língua materna, apresentam-nos outras formas de trabalhar com a língua materna na escola, ou seja, eles propõem alguns princípios básicos para que a sala de aula, no trabalho com a língua, se transforme em um ambiente mais significativo e prazeroso, tanto para os alunos quanto para nós, professores (ou futuros professores). Fundamentalmente, eles nos afirmam que: Não se trata de “ensinar” a língua materna, que o aluno já fala ao entrar na escola; nem se pode, aliás, ensinar uma língua. O que cabe é ir aumentando a capacidade comunicativa dos alunos, trabalhar com a língua, melhorando sempre mais e tornando mais produtivo o manejo desse instrumento (LUFT, 1985, p. 33-34).

 

No processo pedagógico, (...) trata-se de construir possibilidades de novas interações dos alunos (entre si, com o professor, com a herança cultural ), e é nestes processos interlocutivos que o aluno vai internalizando novos recursos expressivos, e por isso mesmo novas categorias de compreensão do mundo (GERALDI, 1996, p. 69).

 

Em resumo, poderíamos enunciar uma espécie de lei, que seria: não se aprende por exercícios, mas por práticas significativas. (...) O domínio de uma língua, repito, é o resultado de práticas efetivas, significativas, contextualizadas. (...) O modo de conseguir na escola a eficácia obtida nas casas e nas ruas é “imitar” da forma mais próxima possível as atividades linguísticas da vida. Na vida, na rua, nas casas, o que se faz é falar e ouvir. Na escola, as práticas mais relevantes serão, portanto, escrever e ler. Claro que se falará às pampas na escola, e, portanto, se ouvirá na mesma proporção (um pouco menos, um pouco mais...) (POSSENTI, 1996, p. 47-48).

 

As citações destacam pontos com os quais nem sempre nos preocupamos, quando entramos em sala de aula para ensinar a língua materna. A possibilidade de incentivarmos mais as práticas discursivas – orais ou escritas –; de criarmos situações significativas para os alunos se expressarem, lendo, escrevendo ou oralmente não correspondem a práticas comuns e em nosso cotidiano.

 

Propostas mais atuais do ensino de língua têm posto em questão, com diferentes ênfases, a necessidade de se ensinar gramática, e insistido na idéia de que não se pode confundir o estudo da linguagem com a gramática (BRITTO, 1997, p. 30-31).

 

Talvez deva repetir que adoto sem qualquer dúvida o princípio (quase evidente) de que o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico (POSSENTI, 1996, p. 17).

 

Quando falamos em um trabalho mais significativo, crítico e criativo com a língua materna, não estamos desvinculando as questões gramaticais desse trabalho. Como afirma Possenti, há um princípio evidente nesta nossa discussão – o de que o objetivo da escola é ensinar o português padrão. E para isso, ele precisa estar presente na sala de aula; contudo, essa presença pode ser contextualizada, revista, não pode?

 

Para Bagno (2001), norma culta "é o conjunto de usos linguísticos dos falantes cultos de um país, de uma região ou de uma cidade" (p. 39), entendendo-se por falante culto aquele que possui curso superior completo e que foi nascido e criado em zona urbana. Somente essas duas definições já nos dão a dimensão do problema (ou o tamanho da pedra, se preferirmos...): Se opto pela postura do gramático tradicional, entendo norma culta dentro de parâmetros estritos e restritos à formalidade da língua clássica escrita. Se, ao contrário, adoto a postura do linguista, vou compreender o mesmo termo a partir dos usos que um falante culto faz da sua língua materna. Ao optar pela segunda postura, alguns nos dirão: mas quem me garante que o uso oral ou escrito de um falante culto estará correto?

 

Na realidade, falar em correção e incorreção do uso da língua esbarra na visão de muitos linguistas que demonstram haver certa equivalência entre todas essas formas. O que muda a partir da opção por uma delas é a imagem do falante, isto é, aquele que utiliza a língua deve buscar, antes de correção, adequação à situação em que a enunciação acontece. Num ambiente informal, "deixar escapar uma 'meia gordinha'", como menciona o narrador do texto, é absolutamente irrelevante. O mesmo não ocorre quando se está redigindo um documento, por exemplo. Assim, o erro relativiza-se, tornando-se, antes de tudo, uma questão sociocultural, não apenas linguística.

 

Muitos estudiosos da Linguística afirmam que não existe erro quando se trata do uso da língua. Para eles, existe adequação a uma determinada situação comunicativa, já que o certo e o errado estão ligados a um uso da língua padronizado socialmente. Nesse caso, estaríamos falando do que é aceitável ou não, de acordo com o nível de adequação à norma padrão exigida por determinada situação. O fato de um falante dizer, por exemplo, "nós fomo" em lugar de "nós fomos", não impede que se faça entender, mas, obviamente, o compromete diante daqueles que o escutam. O entendimento não é afetado, mas o falante fica socialmente marcado de forma negativa. Como se vê, esse tipo de erro, que é compatível com a idéia de inadequação, não impede a comunicação. Por isso, ele tem um caráter extralinguístico, que extrapola o nível da produção da fala e transborda para um nível de aceitabilidade social.

 

O Falar e escrever são atos linguísticos específicos e diferentes, ou seja, ao utilizar um desses atos lingüísticos, é necessário conhecer suas especificidades sem, no entanto, prender-se a regras gramaticais, puramente formais. Isto significa dizer que não existe uma única norma, correta e infalível. A norma constrói-se no uso, na interlocução, nos diversos contextos de utilização da fala ou da escrita. Assim sendo, e pensando no espaço da escola, ensinar uma língua significa trabalhá-la incessantemente, na oralidade e na escrita, em diversas situações de uso. Também discutimos que o que denominamos erro pode ser entendido com um desvio na língua considerada padrão e que, por isso, em sala de aula, devemos trabalhar com as várias normas existentes – incluindo a norma padrão!

 

A coerência está diretamente ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para o texto, ou seja, ela é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo, portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto. Este sentido, evidentemente, deve ser do todo, pois a coerência é global (2004, p. 21). A coerência não é apenas um traço ou uma propriedade do texto em si, mas (...) se constrói na interação entre o texto e seus usuários, numa situação comunicativa concreta (2004, p. 81).

 

A leitura atenta da citação anterior nos permite inferir que coerência é o estabelecimento de sentido(s) em um texto. Mas também que essa atribuição de sentidos depende da interação entre os usuários, concorda? Então, esse estabelecimento depende de alguns fatores que presentes, juntos ou não, de certo modo facilitam a compreensão dos usuários. Segundo Koch e Travaglia (2004), esses fatores são de ordem linguística, discursiva, cognitiva, cultural e interacional.

 

No livro A coerência textual, Koch e Travaglia nos apresentam onze fatores que possibilitam o estabelecimento da coerência. Nesta nossa aula, vamos destacar cinco deles, a saber: (a) os elementos lingüísticos; (b) o conhecimento de mundo; (c) o conhecimento partilhado; (d) as inferências (e) a contextualização. Sintetizando, o conhecimento de mundo nos possibilita entender algumas mensagens, e outras não; ou seja, se temos familiaridade com o tema, fatos ou situações expostas em um determinado texto oral ou escrito, não temos dificuldades para entendê-lo. Dentro dessa lógica, podemos partir para um terceiro elemento, que se denomina conhecimento partilhado. Como o próprio termo deixa entrever, um texto será inteligível, tanto para seu autor como para o receptor, se ambos partilharem daqueles fatos, temas ou situações aos quais o texto se refere. Em outras palavras, quando o conhecimento é partilhado, a comunicação entre as pessoas estabelece-se muito mais rapidamente. Inferência é a operação pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o receptor (leitor/ouvinte) de um texto estabelece uma relação não explícita entre dois elementos desse texto que ele busca compreender e interpretar (...) Compete, portanto, ao receptor ser capaz de atingir os diversos níveis de implícito, se quiser alcançar uma compreensão mais profunda do texto que ouve ou lê (p. 65). Analisando o trecho, podemos dizer que a inteligibilidade de um texto depende das inferências que seu receptor consegue realizar. Um enunciado simples como, por exemplo, (10) Maria comprou algumas obras de Machado de Assis, me permite inferir que (a) Maria é uma estudante; (b) Maria é uma pessoa que gosta de literatura; (c) Maria é admiradora de Machado de Assis ou, ainda, que (d) Maria precisava adquirir várias obras de Machado e que, naquele momento, conseguira adquirir algumas delas. A inferência estabelece-se também quando o grau de familiaridade entre autor e receptor é maior. Os fatores de contextualização são aqueles que "ancoram" o texto em uma situação comunicativa determinada. (...) podem ser de dois tipos: os contextualizadores propriamente ditos e os perspectivos ou prospectivos. Entre os primeiros estão a data, o local, a assinatura, elementos gráficos, timbre, etc, que ajudam a situar o texto e, portanto, a estabelecer-lhe a coerência (...) Os fatores perspectivos ou prospectivos são aqueles que avançam expectativas sobre o conteúdo – e também a forma – do texto: título, autor, início do texto (p. 67-68).

 

Como você mesmo pode inferir (viu como já estamos utilizando um fator da coerência?), a coerência do texto anterior se dá à medida que há elementos coesivos que a estabelecem. Ao trocar o termo "menino maluquinho" pelo pronome pessoal e ao substituir "uma bomba" por "esse negócio", o autor tornou o texto coerente e, se assim podemos dizer, mais leve e solto, por meio da utilização de mecanismos coesivos. E quais serão esses mecanismos?

 

Halliday e Hasan (1976), dois grandes nomes da Lingüística Textual, citados por Koch e Travaglia (2004), identificam cinco desses mecanismos, a saber: (a) referência; (b) substituição; (c) elipse; (d) conjunção (e) coesão lexical. Como você pode perceber, esses cinco elementos fazem parte daquele sistema léxico-gramatical a que nos referimos anteriormente, lembra? A referência pode ser pessoal, demonstrativa e comparativa, e se constitui no uso de alguns de seus "velhos conhecidos" da Gramática – pronomes pessoais, possessivos e demonstrativos, bem como de advérbios, entre outros. Veja, por exemplo, que em (13) Paulo é um grande advogado. Ele conseguiu a absolvição de João e de Manuel: este, condenado a dez anos e aquele, na cadeia há mais de vinte! – temos referências pessoal e demonstrativa. Já a substituição, como o próprio nome o diz, é a colocação, no texto, de um termo ou oração no lugar de outro. Este fator é interessante, pois assim não repetimos palavras e/ou expressões desnecessariamente. Você já reparou que, quando fazemos essa repetição, o texto fica mais pesado?

 

Os Parâmetros Curriculares também consideram as atividades de análise e reflexão da língua como fundamentais para que o aluno possa reelaborar os seus saberes, formulando e verificando hipóteses sobre o funcionamento da mesma. Estão aí incluídos alguns aspectos importantes, tais como: Revisão textual – momento privilegiado, para que o aluno perceba "problemas" em seu texto e busque resolvê-los, acrescentando ou retirando informações, fazendo substituições, deslocando parte do texto, tudo isso para que se torne mais legível.

 

Atenção! Revisar um texto é diferente de simplesmente passá-lo a limpo, prática escolar bastante conhecida nossa! Ler, observar textos de qualidade dos mais variados autores, de preferência os reconhecidos, permite ao aluno verificar como utilizam os recursos linguísticos disponíveis – como resolvem problemas de repetição por meio de substituições, por exemplo – e ainda observar as formas de pontuação, apreciar o vocabulário utilizado etc. Outro aspecto é a pontuação, importante atividade de textualização.

 

Dessa forma, acreditamos que ficou claro para você que não é preciso decorar fatos gramaticais, mas sim entender como esses fatos interferem na inteligibilidade de um texto. Para que isto aconteça em sala de aula, nos anos iniciais, a intervenção pedagógica do professor é muito importante. Como nos diz Moraes (2002), para que os alunos aprendam a produzir textos, além de viabilizar o acesso à diversidade textual, o professor precisa garantir que outras condições estejam asseguradas.

Portanto, ele deve propor atividades que levem os alunos a refletirem sobre a organização discursiva dos diferentes textos de modo a favorecer a explicitação do que já sabem, tornando objeto de reflexão sistemática outros aspectos dessa estrutura ainda não observados. Além disso, é imprescindível que haja um contexto favorável para a reflexão coletiva sobre as observações e hipóteses levantadas pelas próprias crianças e sobre as indagações feitas pelo professor.

Nessa perspectiva, a produção de um texto pode tornar-se uma boa situação de aprendizagem quando, no decorrer da atividade, as crianças tenham que tomar decisões sobre o que vão escrever, tendo em vista o tipo de texto e o contexto comunicativo. Durante a escrita de um texto, é necessário que se reflita paralelamente sobre dois aspectos: o que será dito, ou seja, o assunto que será tratado e como será dito, ou seja, qual a forma discursiva mais adequada à situação e ao que se pretende comunicar.

 

Obrigada, Geisa S. (com certeza esse resumo facilitou a vida de muitos de nós).
 

Seg
 

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